sábado, 31 de agosto de 2013

Carta de Um Bombeiro para o Ministro da Administração Interna




Gostaria que V.Ex.ª. explicasse a esta gente de coragem que a culpa foi do vento, que tudo o que de mal tem acontecido a estes operacionais é culpa “das mudanças de vento”, que não há negligência no comando das operações, que todos os operacionais tem o equipamento exigível pela legislação de segurança no trabalho e que os bombeiros são regularmente inspeccionados pela Autoridade para as Condições no Trabalho e que lhes é disponibilizado tudo quanto lhes é legalmente exigível. 

Contudo Sr. Ministro, V.Ex.ª. sabe perfeitamente porque os bombeiros não são inspeccionados pela ACT, porque esta foi a forma que V.Ex.ª encontraram para escamotear a realidade da insegurança e falta de condições de trabalho destes homens e mulheres, da falta de inspecções médicas e provas de robustez física legalmente exigíveis a qualquer trabalhador, mas não aos bombeiros

Mas acima de tudo Sr. Ministro, eu gostaria que V.Exª se ajoelha-se perante a filha de quatro anos que deixa esta mãe, e que lhe contasse que a mamã faleceu porque o vento mudou de direcção e que ninguém tem responsabilidade. 

Sabe Dr. Miguel Macedo, eu tenho dois filhos, um de oito anos e outro de três, e pelo que conheço das crianças de quatro anos, geralmente são muito perspicazes, pelo que creio que não teria a menina de quatro anos dificuldade em compreender a história, o que teria certamente é dificuldade em acreditar nessa história que V.Ex.ª e o respectivo comando das operações daquele T.O. tentou impingir aos adultos. 

Eu contaria a esta criança uma história diferente, uma história negra e suja como a de um pedaço de floresta ardida e cinzenta mente enfuscada, uma história de meninos maus que para darem muitos e caros brinquedos aos seus, para poderem viver luxuosamente nas suas mansões, com automóveis topo de gama, com direito a motorista para transportar os seus meninos à escola…., não há verba para dotar os bombeiros de equipamento que evite a sua morte e, que usam o sangue dos bombeiros nos seus luxos, como se de um negócio de diamantes de sangue se tratasse. 

Explicaria ainda que tal como o merceeiro vende chupas, alguns governantes e gestores de emergência vendem mão de obra escrava a troco de luxos fruto de negócios megalómanos alimentados pelos incêndios e que por esse motivo se mantém sempre acesa a chama… 

Não adiantaria, para esta criança tudo isto não passaria de uma história de ficção que teria dificuldade em compreender. Mas à algo que esta criança vai compreender com o tempo, é que a sua mãe desapareceu para sempre, e que tudo o que dela um dia lhe avivará a memória serão as fotos e as fracas recordações retidas nesta idade. 

Sinceramente Sr. Ministro, Sr. secretário de Estado, Senhores CODIS, CADIS… Espero que V.Ex.ª durmam de consciência tranquila, e sei que o farão, porque ao invés dos primatas que alimentam a dor do luto durante três a cinco semanas, a classe política tem de um modo geral a capacidade de enlutar durante os minutos em que são alvo das câmaras dos órgãos de comunicação social.

Fonte: Um Bombeiro

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